Você já comeu a Amazônia hoje?
João Meirelles Filho
Eu não aceito que, em meu nome, o governo federal brasileiro conceda autorização para o desmatamento da Amazônia, e você, aceita? Eu não autorizo que o dinheiro público, de bancos oficiais, seja empregado para a criação de bois na Amazônia, e você, autoriza?
Você e eu somos bois-de-presépio ou cidadãos do planeta? Você acredita que a sua forma de viver e alimentar-se possua relação direta com a Amazônia? Caso afirmativo, você aceitaria avaliar se está comendo ou não a Amazônia?
De 1500 a 1964 desmatamos menos de 1% da Amazônia. Nos últimos 40 anos desmatamos cerca de 16% (três estados de São Paulo) para virar pasto. Esta área de 750 mil km2 é duas vezes maior que a área agrícola do pais. A cada ano perdemos cerca de 1% do que resta da floresta amazônica. Se nada for feito teremos perdido mais da metade da floresta nos próximos 30 anos. Eu não autorizei. Você autorizou?
Estamos apenas medindo a febre e não combatendo as causas da doença. Há grande comoção com os índices de desmatamento e pouco interesse em discutir as verdadeiras razões de seu crescimento.
Os responsáveis somos nós!
Quem é responsável pela maior parte dos desmatamentos? Não será difícil responder: as propriedades rurais dedicadas à pecuária. Trata-se apenas das grandes fazendas? Não, as pequenas e médias têm na pecuária bovina e bubalina (de búfalos) sua principal atividade.
E por que se expande a pecuária na Amazônia? Alguém consome este produto. Os dados são claros: mais de noventa por cento da carne produzida na Amazônia é consumida no próprio Brasil, a maior parte nas regiões de maior poder econômico – Sul e Sudeste. O crescimento do consumo de carne bovina é significativo. A cada dia mais e mais pessoas querem a sua picanhazinha e a sua maminha.
Em quarenta anos, de 1964 a 2004, o rebanho bovino da Amazônia saltou de 1,5 para 60 milhões de cabeças. Parte deste rebanho é clandestino. Este lote de animais prontos para morrer para saciar o desejo de comer carne bovina representa 1/3 do rebanho brasileiro. Três cabeças de boi para cada habitante da Amazônia.
No Brasil já há mais bois que gente!
A pecuária é a principal atividade econômica rural da Amazônia. Grandes e médios proprietários e a maior parte dos 400 mil pequenos proprietários rurais da Amazônia tem na pecuária a sua principal fonte de renda (pelo fracasso das demais atividades econômicas, pela completa incompreensão do que seja a natureza amazônica ou impaciência com a Natureza, preferindo carboniza-la a conduzir a dança da sustentabilidade).
Se não fosse o baixo poder aquisitivo do brasileiro o consumo de carne seria pelo menos o dobro. O brasileiro come, em média, um bife pequeno por dia (100 gramas) – 36 kg de carne/ano.
Se você comer carne bovina durante 72 anos – a idade média do brasileiro – isso significa 11 bois inteiros durante a vida. Destes 11 bois, pelo menos 4 terão vindo da Amazônia, ou seja, a cada três dias o brasileiro come um bife da Amazônia.
Este é um índice médio. O consumidor da classe alta e média chega a comer mais de 3 vezes esta cifra – 108 kg/carne bovina/ano. Ou seja, um caminhão com 32 bois, mais de 7,5 toneladas de carne em sua vida!
Quanto custa para a humanidade esse bife?
A insistência do modelo mundial de ocupação do solo, que privilegia a pecuária é o principal responsável pela fome e desigualdade do Planeta. A quantidade de água, solos e recursos utilizados para produzir um quilo de carne seria suficiente para alimentar pelo menos 50 pessoas.
A expansão da pecuária é responsável por pelo menos 2/3 dos desmatamentos das florestas tropicais do planeta. Estas já ocuparam 16% do planeta. Hoje ocupam menos de 9%. Por quê? Principalmente porque há gente querendo comer carne bovina.
A pergunta que deve inquietar o cidadão deste planeta é: “quanto custa de esforço à Humanidade para você ter o luxo de um bife em seu prato?”
A pecuária é o pior empregador que existe no planeta. A miséria brasileira no campo pode ser resumida a uma frase: a pecuária bovina expulsou o homem do campo. Numa grande fazenda na Amazônia, emprega-se diretamente uma pessoa a cada setecentos bois. A mesma área com agricultura familiar empregaria pelo menos 100 vezes mais, com agro-floresta em permacultura empregaria 250 pessoas!
A pecuária gera pouca renda e esta é praticamente transferida para fora das regiões produtoras. A pecuária é altamente concentradora de renda. Inexiste uma única região do Brasil onde a pecuária promoveu o desenvolvimento com justiça social.
Por quê, então, optamos pelo boi? Porque não pensamos, somos tão bovinos quanto a ilustre e inocente criatura. Não medimos consequências. Pautamo-nos pelo passado. Não questionamos se o que nossos pais e avós fizeram seria o melhor para nós, para nossas famílias e para a Humanidade.
NEM SEMPRE A HUMANIDADE FEZ ESCOLHAS CERTAS. EM SUA MAIORIA SÃO ESCOLHAS CÔMODAS. Não medimos as consequências. No entanto, estamos diante de uma encruzilhada – ou transformamos a Amazônia em um imenso pasto ou iremos entregar às futuras gerações a mais diversa e bela floresta tropical do planeta. A escolha é sua. E de mais ninguém.
Quinhentos anos de atraso
O Brasil é o campeão da falta de percepção ambiental e social. A pecuária bovina é sinônimo da história da ocupação do Brasil.
O boi é uma fonte de proteínas de baixíssima eficiência energética (converte em carne meros 7% do que come). Com sua pata compacta o solo, causa erosão e destrói as micro-bacias e o seu consumo traz sérias consequências à saúde.
O boi é um trator funcionando 24 horas. E por quê? Para saciar a vontade de comer picadinho, hambúrguer e estrogonofe. Para transformar o Brasil no maior pasto do planeta foi preciso “abrir” espaço para este animal. Poderíamos resumir a história do desaparecimento da Natureza do Brasil em uma única lápide: “virou bife”.
Dos 850 milhões de hectares do Brasil, há no país cerca de 250 milhões de hectares de pasto (cerca de 30% do pais). Deste total, cerca de 30% está na Amazônia – 75 milhões de hectares. O Brasil todo possui cerca de 50 milhões de hectares em área plantada!
Resumo de nossa história: o Brasil virou pasto, e nossa grande contribuição à humanidade foi substituir a maior floresta tropical do planeta por churrasquinho.
Por quê? Porque insistimos em incorrer nos mesmos erros que nossos antepassados europeus, para quem a “pata de vaca” era sinônimo de progresso. O arame farpado é progresso. A floresta calcinada é progresso. O mugido do boi é progresso.
O país continua a tratar a Amazônia como um imenso estoque de terra pronto para virar pasto, e como fonte inesgotável de madeira, peixe, ouro, alumínio, energia elétrica etc. O Brasil trata as comunidades indígenas e a caboclas como culturas “primitivas”, “bárbaras”.
Não haverá aqui uma inversão de valores? Estamos prontos a reconhecer este erro? Ou continuaremos a nos ufanar que temos o maior rebanho comercial do planeta?
Vamos continuar a nos enganar? Seremos honestos com as futuras gerações? Quem está disposto a pensar um novo Brasil? Seremos os bois-de-presépio da vez, que sentam-se na lanchonete e devoram silenciosos seus hambúrgueres?
Continuaremos a ser meros telespectadores? na verdade, somos mais: somos os que financiam este processo, silenciosamente, nas gôndolas de supermercado, nos espetinhos, nos pastéis de carne… Mais do que rebanhos de consumidores, de cabeça baixa, nossa ignorância alimenta a injustiça e a destruição. Aceitamos, silenciosamente, que as coisas continuem como estão.
Até quando?
(Para facilitar a divulgação, omitimos algumas partes do texto não-essenciais).
Mudanças começam a acontecer
Greenpeace Brasil
1ª Vitória: Pão de Açúcar, Carrefour e Wal Mart suspendem compra de carne de desmatamento na Amazônia
Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar suspendem compras de frigoríficos envolvidos no desmatamento da Amazônia
Pão de Açúcar, Walmart e Carrefour, em nota também assinada pela Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) anunciaram a suspensão de compras de produtos bovinos de 11 empresas frigoríficas do estado do Pará, incluindo a Bertin, por não terem garantias de que a carne não vem de áreas desmatadas na Amazônia. A decisão é resultado da ação civil pública (ACP) do Ministério Público Federal (MPF) no Pará, que encaminhou, na semana passada, recomendação às grandes redes de supermercados e outros 72 compradores de produtos bovinos para que parem de comprar carne proveniente da destruição da floresta. O descumprimento do pedido pode resultar em multa de R$ 500,00 por quilo de produto comercializado.
A medida dos varejistas também foi resultado do relatório sobre a pressão que o gado exerce sobre a Amazônia, lançado há apenas dez dias. “A ação é um repúdio às práticas denunciadas pelo Greenpeace. O setor supermercadista, através da Abras não irá compactuar com as ações denunciadas e reagirá energicamente”, diz a nota. “Os frigoríficos que atuam na Amazônia precisam se comprometer imediatamente a parar de comprar gado de fazendas que desmatam”, disse André Muggiati, do Greenpeace.
Os supermercados solicitaram aos frigoríficos que apresentem ao Ministério Público um plano de auditoria socioambiental, realizado por empresa independente, sobre a origem do gado que comercializam. O MPF já havia pedido aos supermercados e empresas notificadas que implementem sistemas de identificação sobre a origem do produto bovino.
Além disso, o Ministério Público Federal pretende ampliar as ações de combate ao desmatamento com responsabilização da cadeia produtiva da pecuária para outros estados da Amazônia, como Mato Grosso e Rondônia.
O Greenpeace lançou na semana passada o relatório “A Farra do Boi na Amazônia” apontando a relação entre empresas frigoríficas envolvidas com desmatamento ilegal e trabalho escravo com produtos de ponta comercializados no mercado internacional. Para piorar, o governo brasileiro financia e tem participação acionária nas principais empresas pecuárias que atuam na Amazônia. O frigorífico Bertin é uma das empresas apontadas pelo Greenpeace como responsáveis pela compra de gado de fazendas que desmataram ilegalmente a floresta Amazônica, distribuindo no Brasil e mundialmente os produtos derivados dos animais.
Leia abaixo a nota dos supermercados:
ABRAS repudia práticas denunciadas pelo Greenpeace.
Wal-Mart, Carrefour e Pão de Açúcar suspendem as compras de fazendas envolvidas no desmatamento da Amazônia e deverão trabalhar com auditoria de origem.
Em reunião realizada na Associação Brasileira de Supermercados (Abras), no dia 8 de junho, as três maiores redes de supermercados do País, Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar decidiram suspender as compras das fazendas envolvidas no desmatamento da Amazônia. A ação é um repúdio às práticas denunciadas pelo Greenpeace. O setor supermercadista, através da Abras não irá compactuar com as ações denunciadas e reagirá energicamente.
A posição definida pelas empresas inclui notificar os frigoríficos, suspender compras das fazendas denunciadas pelo Ministério Público do Estado do Pará e exigir dos frigoríficos as Guias de Trânsito Animal anexadas às Notas Fiscais. Como medida adicional, as três redes solicitarão, ainda, um plano de auditoria independente e de reconhecimento internacional que assegure que os produtos que comercializam não são procedentes de áreas de devastação da Amazônia.
Trata-se de uma resposta conjunta setorial ao relatório publicado pelo Greenpeace no início deste mês e consequente ação civil pública do Ministério Público Federal do Pará, que encaminhou recomendação às grandes redes de supermercados e outros 72 compradores de produtos bovinos para que deixem de comprar carne proveniente da destruição da floresta.